

No quarto crescente que os teus modos explicitam
és a guarda dos segredos construídos cama a cama,
és os sonhos revertidos em cada almofada
em que teus cabelos repousaram seus aneis...
Falo de dias tristes, dias longos,
e chagas abertas de olhos redondos
chorando lágrimas e sangue
no medo da solidão carregando os ombros.
Teus seios fartos,
fartos de dar,
fartos de receber sombras e espectros volatilizados logo depois,
nos sonhos fugindo da esperança que morreu,
agruras zunindo nos brincos balouçando suave
e os gestos repetindo-se ausentes de ti,
reflectindo nada nem ninguém.
És ave aprisionada dentro de ti,
cega de encontro a grades de gaiola dourada no aspecto,
negra na essência...
Amores e desamores vertiginosamente sucedidos
sempre em esplendor,
sempre em fracasso...
Faúlhas na noite que a madrugada apaga.
(foto de Sergey Poddubny)

o tempo me dará razão e confio
nos sentidos que me inundam e me empurram,
em sorrisos diluídos no amanhecer contigo,
no calor da pele com pele que se não descose,
em brilho cruzado de olhares que se gostam,
nas mãos que se namoram e descobrem,
em vasos capilares da minha vontade pulsando em frenesim na tua voz,
no manto coado de paz na noite, apertando-se lentamente em redor,
em salivar do corpo esfomeado de ti,
na pulsão,
em urgência,
no dia que escorre esperando, esperando,
em fome que se não sacia, adiando e expectando mais,
nas expectativas concretizadas, desdobrando-se,
multiplicando-se em mais expectativas...
(foto: biclipse de Rui Nabais)

Sentei no meio do deserto sobre uma pedra redonda
esperando a miragem caminhando serena,
saciando a sede dos olhos nos longes de calor vibrante
paradoxo do frio que sinto sentado ali.
O peito anuncia-se num torno,
impossibilitado de respirar,
e um buraco negro na alma aspirando em ciclos,
minando o invólucro da carne
demasiado pequeno para comportar todo o sentir...
(foto "fogo em flor" de David Ligeiro)
AMANHECER?

Amanhecer de mais um dia,
mais um,
diferente de todos os outros pela inevitabilidade do tempo
e pela sua própria substância.
Ainda assim, apenas outro,
na insignificância última de repetição idêntica!
Areia fina combinada repetidamente e igual no resultado...
Pardo de cor, apesar da luz emergente coada por expressões fechadas
e passos premeditados na origem e na fadiga
que em todos adere não reflectindo,
como sebastianismo renovado e vão dobrado nas esquinas concavas de outras manhãs.
Parece um fado turvo e enjoado de lamúrias ocas
que a poesia colhe mas nos olhos mortifica em quebranto igual.
Gémeo falso na bruma do nada,
no cansaço dos olhares mal despertos e de histórias sem sal nem som.
Semblantes sem luz nem amanhecer,
alquebrados largando poeiras nos passos de rumo habitual e único,
engelhados na velhice que se colou ao nascer.
Espectros em bruma escolhida como razão,
pairando numa pressa circular que devolve a cada momento o momento anterior,
igual,
mas mais velho e sem marcas.
Na cidade sem espanto e de “porquês” proibidos,
a liberdade conta-se em voz surda cavalgando unicórnios de florestas encantadas
e a música apenas se relembra na entoação fúnebre de actos sem significado.
Palpita em cansaço a memória da terra eivada de sangue
e de pólvora
e do pisar castrante de multidões de vivos mortos
gritando os últimos desesperos e esperanças
na marcha da manhã agoniada para o frenesim da morte.
Eriçam-se os galhos puídos pelo tempo da floresta
esquecida de aromas doces de hortelã e,
isso sim,
anestesiada pelos fogos de ganância
e pelos espasmos de virgens estupradas em festim...
(foto "dunas" de Reinaldo Ferro)
À JANELA

Em estendal sem suportes no negro vazio, pleno de energia,
cintilam novas e anãs condicionadas de amarelo empolado,
satélites e asteróides plenos de histeria verde seco
e planetas constantes num cabeçalho de diário cósmico sem função, nem causa.
Algures na universalidade de balizas diluídas pela palavra “infinito”,
que nos habituamos a inventar justificando ignorância,
em jangadas de sonhos e idealizações contemporâneas
navegamos nos mares de teoremas
batidos por agrestes matemáticas sólidas e sem substância sentimental,
lobrigando o que o engenho permite e a visão alcança.
Pó dimensional extrapolado para a dimensão orgânica da vertigem!
Uma janela aberta para fora, pendurando-se de bicos de pés
e quase alcançando o inalcançável
à distancia de um piscar de olhos e um dedo estendido de criança,
sol na palma das mãos
e mar escorregando do horizonte rasgado num vislumbre de ocaso.
...

Dessa lágrima que não sinto e desconheço origem,
monto em puzzles significados e impulsos de carícias,
desconhecendo até se não será apenas elementar riso!
Tão incolor, difusa, enigmática e muda,
mesmo conhecendo a alma, pergunto-me o estado…
Apenas uma lágrima!
Como, sendo mais?
Dos olhos transpira a forma como se sente o que sentes.
Varia na facilidade,
com sensibilidades fortuitas ou aleatórias…
Catarse de dia e de tempo,
do gasto e do gosto,
das nuvens esvaziando-se lá fora
ou, da rosa agoniando de calor!
monto em puzzles significados e impulsos de carícias,
desconhecendo até se não será apenas elementar riso!
Tão incolor, difusa, enigmática e muda,
mesmo conhecendo a alma, pergunto-me o estado…
Apenas uma lágrima!
Como, sendo mais?
Dos olhos transpira a forma como se sente o que sentes.
Varia na facilidade,
com sensibilidades fortuitas ou aleatórias…
Catarse de dia e de tempo,
do gasto e do gosto,
das nuvens esvaziando-se lá fora
ou, da rosa agoniando de calor!
ENCANTO
Um dia de ondas em bandos e esquecidas de si
investindo contra negro e duro punho estendido
apontando o Sol…
Um dia de lagos de prata brilhante na planície cinza escuro
ondulando em pulsão cardíaca descompassada…
Um dia de, imergindo da espuma,
herói de outrora qual falo erecto
agora esquecido e archote apagado…
Um dia de vontade de acendê-lo outra vez na busca de rota,
ir para voltar no rastro das acendalhas ardendo…
Um dia depois
das dunas superadas no areal deserto e morno,
dos lancis de rocha tropeçados e aguados em suor,
dos olhos perdidos nas estrelas e recuperados no mar…
Um dia,
aconteceu o presente.
Implodido e reerguendo-se coberto em véu de pó,
com brilho amortalhado de destroços…
Nesse dia presente,
soltaram-se lágrimas em torrente do céu rachado
que lavaram feridas encastoadas de passado,
com ais de dor,
ais de alívio,
eterna duplicidade misantropa e masoquista
que sabe bem… como sabe bem!
Hoje,
futuro de então,
futuro agora,
porque hoje será amanhã,
o Universo ronda o branco dos olhos
e a Terra gira apenas… porque o permito!
Neste dia de meia-luz cinzenta,
algures no meio de folhas balançando o anúncio de chuva,
o tempo parece que pára
num morno
nada se passa quando tudo acontece…
Difícil respirar!
E não é o vento contornando o abafo que aconchega
ou a agreste manta escura que pesa!
Será talvez o planar
sem peso,
nem tom,
nem horário,
do silêncio...
E que silêncio!
Daqueles que dói de ausência e perverte os sentidos!
Daqueles que se entranha e nos agarra por dentro
espremendo angústia sem razão!
Mas… de um conforto!!!
Apetece pensar…
Apetece recriar o momento
e escrevê-lo
e contá-lo
e não ter que contar…
Apetece saborear o gosto que arrepia,
a aspereza da imagem roçando a face!
Algures no nada
e dentro de mim.
É o meu Mundo.
Finos fios transparentes em arcos e voltas sem nós
ligados às mãos abertas…
Do outro lado… balões!
Balões sonho,
balões tonalidade,
balões melodia,
e outros…
Não me enclausurei vertido no umbigo!
Apenas me encanto.
Muito!
Com o que me dá prazer!
investindo contra negro e duro punho estendido
apontando o Sol…
Um dia de lagos de prata brilhante na planície cinza escuro
ondulando em pulsão cardíaca descompassada…
Um dia de, imergindo da espuma,
herói de outrora qual falo erecto
agora esquecido e archote apagado…
Um dia de vontade de acendê-lo outra vez na busca de rota,
ir para voltar no rastro das acendalhas ardendo…
Um dia depois
das dunas superadas no areal deserto e morno,
dos lancis de rocha tropeçados e aguados em suor,
dos olhos perdidos nas estrelas e recuperados no mar…
Um dia,
aconteceu o presente.
Implodido e reerguendo-se coberto em véu de pó,
com brilho amortalhado de destroços…
Nesse dia presente,
soltaram-se lágrimas em torrente do céu rachado
que lavaram feridas encastoadas de passado,
com ais de dor,
ais de alívio,
eterna duplicidade misantropa e masoquista
que sabe bem… como sabe bem!
Hoje,
futuro de então,
futuro agora,
porque hoje será amanhã,
o Universo ronda o branco dos olhos
e a Terra gira apenas… porque o permito!
Neste dia de meia-luz cinzenta,
algures no meio de folhas balançando o anúncio de chuva,
o tempo parece que pára
num morno
nada se passa quando tudo acontece…
Difícil respirar!
E não é o vento contornando o abafo que aconchega
ou a agreste manta escura que pesa!
Será talvez o planar
sem peso,
nem tom,
nem horário,
do silêncio...
E que silêncio!
Daqueles que dói de ausência e perverte os sentidos!
Daqueles que se entranha e nos agarra por dentro
espremendo angústia sem razão!
Mas… de um conforto!!!
Apetece pensar…
Apetece recriar o momento
e escrevê-lo
e contá-lo
e não ter que contar…
Apetece saborear o gosto que arrepia,
a aspereza da imagem roçando a face!
Algures no nada
e dentro de mim.
É o meu Mundo.
Finos fios transparentes em arcos e voltas sem nós
ligados às mãos abertas…
Do outro lado… balões!
Balões sonho,
balões tonalidade,
balões melodia,
e outros…
Não me enclausurei vertido no umbigo!
Apenas me encanto.
Muito!
Com o que me dá prazer!
"a vela" foto de Fran�ois Benveniste
Desconforto

na ausência de audácia que perturbe a indefinível sensação
empalado em bloco de granito amarelo e frio
ao frio
cada filamento orgânico chia
exposto em venda como coisa velha
não antiga
raiva deste minuto em que o passado já foi
e o futuro não veio
(não tendo importância
apenas porque não)
enquanto o Sol bate no rosto
e o vento atropela cabelos
brilhando selvagem
e florescendo na marginal junto ao mar
na hora em que as lágrimas outonais
desvanecem-se pela face
sem tristeza
sem rancor
sem ira
apenas por efeitos de luz demasiado forte
trespassando os olhos tão frágeis e verdes
dedos entrelaçados em mão na mão
embalados no som de ondas quebrando
e panos arregaçados nos mastros
em esforço de liberdade.
segundo a segundo
palavras dor soltam-se
compondo o momento suave…
"pedras do vento" foto de Gaspar Pedro
ACOMODAÇÃO
Na ferrugem daquela porta que não abro,
ponho todas as razões da impossibilidade:
anoto anos de uso,
apenso gráficos de corrupção de tempo
marginalizando desgastes,
retiro migalhas fungosas com cuidados de ciência
precipitando-as em tubo de ensaio
aquecido previamente,
recolho amostra microscopicamente olhada,
vista e revista
e,
já profundamente cansado,
decido o que
previamente havia decidido:
que daquela porta não poderia passar,
fruto da imobilidade criada
pela tão estudada e analisada mancha negra
grassando livre e sem controlo
pelas ferragens gastas
daquele “Adamastor” da vida…
Não abro!
Não quero abrir!
Não posso!
Não vou ver o que está para além…
Não se chama covardia!
Não se chama comodismo!
Apenas impossibilidade!
Assim,
devolvida a paz de alma
e resolvida a indecisão,
esgotei o caminho…
…
posso sentar…
…
e deixar-me morrer.
ponho todas as razões da impossibilidade:
anoto anos de uso,
apenso gráficos de corrupção de tempo
marginalizando desgastes,
retiro migalhas fungosas com cuidados de ciência
precipitando-as em tubo de ensaio
aquecido previamente,
recolho amostra microscopicamente olhada,
vista e revista
e,
já profundamente cansado,
decido o que
previamente havia decidido:
que daquela porta não poderia passar,
fruto da imobilidade criada
pela tão estudada e analisada mancha negra
grassando livre e sem controlo
pelas ferragens gastas
daquele “Adamastor” da vida…
Não abro!
Não quero abrir!
Não posso!
Não vou ver o que está para além…
Não se chama covardia!
Não se chama comodismo!
Apenas impossibilidade!
Assim,
devolvida a paz de alma
e resolvida a indecisão,
esgotei o caminho…
…
posso sentar…
…
e deixar-me morrer.