AMANHECER?


Amanhecer de mais um dia,
mais um,
diferente de todos os outros pela inevitabilidade do tempo
e pela sua própria substância.
Ainda assim, apenas outro,
na insignificância última de repetição idêntica!
Areia fina combinada repetidamente e igual no resultado...
Pardo de cor, apesar da luz emergente coada por expressões fechadas
e passos premeditados na origem e na fadiga
que em todos adere não reflectindo,
como sebastianismo renovado e vão dobrado nas esquinas concavas de outras manhãs.
Parece um fado turvo e enjoado de lamúrias ocas
que a poesia colhe mas nos olhos mortifica em quebranto igual.
Gémeo falso na bruma do nada,
no cansaço dos olhares mal despertos e de histórias sem sal nem som.
Semblantes sem luz nem amanhecer,
alquebrados largando poeiras nos passos de rumo habitual e único,
engelhados na velhice que se colou ao nascer.
Espectros em bruma escolhida como razão,
pairando numa pressa circular que devolve a cada momento o momento anterior,
igual,
mas mais velho e sem marcas.

Na cidade sem espanto e de “porquês” proibidos,
a liberdade conta-se em voz surda cavalgando unicórnios de florestas encantadas
e a música apenas se relembra na entoação fúnebre de actos sem significado.
Palpita em cansaço a memória da terra eivada de sangue
e de pólvora
e do pisar castrante de multidões de vivos mortos
gritando os últimos desesperos e esperanças
na marcha da manhã agoniada para o frenesim da morte.
Eriçam-se os galhos puídos pelo tempo da floresta
esquecida de aromas doces de hortelã e,
isso sim,
anestesiada pelos fogos de ganância
e pelos espasmos de virgens estupradas em festim...



(foto "dunas" de Reinaldo Ferro)

1 Comments:

Blogger mar revolto said...

Que texto fabuloso e que saudades eu tinha de te ler.

Vim ao um olhar sobre mostrar à blogosfera as belezas de outono, mas não sei por qt tempo vou ficar..., mas sabes, bateu a saudade.

Beijinhos e espero que estejas bem
Lina

2:41 da manhã  

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